Talvez não seja exagero afirmar que o brincar é a atividade mais importante na vida de uma criança. Afinal, é através da brincadeira que a criança aprende sobre o mundo onde ela vive, aprende a socializar e se expressa. O assunto foi debatido por especialistas reunidas em evento na seda da na fábrica de brinquedos Estrela, no final de setembro.
Segundo Fernanda Monteiro, terapeuta ocupacional, especialista em desenvolvimento infantil na empresa Stimullus, e autora do livro “Super Gênios”, brincar desenvolve todas as habilidades que uma criança vai precisar pela vida toda: sensoriais, motoras, sociais, emocionais, linguagem e até conceitos matemáticos. “O brinquedo é uma ferramenta para concretizar o que tem na imaginação”, diz.
Além disso, o modo como os pequenos brincam são um reflexo do nível de maturidade deles, e é importante para os pais prestarem atenção nisso. “Conforme a brincadeira muda, podemos acompanhar o crescimento e a evolução dos nossos filhos”, diz Fernanda.
Entre zero e dois anos, o brincar se dá principalmente pelo estímulo sensorial, táctil. É por isso que, nessa idade, é tão comum que os bebês joguem os brinquedos no chão. Isso não é sinal de birra e também não demonstra que a criança não sabe brincar. É um comportamento normal.
Conforme a criança vai crescendo, ela vai se interessando por outros tipos de brincadeira. Blocos de montar, peças de encaixar, bonecas, faz de conta, ler, massinha, desenhar, pintar, fazer colagem, picar papel, contar histórias, parquinho, teatrinho, carrinho, quebra-cabeça, bichos de pelúcia…Para Maria Fernanda Oberling, fonoaudióloga na clínica Alcance, todo e qualquer brinquedo pode ajudar a estimular o desenvolvimento. E ela dá uma dica: “quando apresentar um brinquedo novo para a criança, deixe-a explorá-lo com calma, sem pressa. Só depois mostre como se brinca com aquilo”, diz.
É importante que os pais brinquem junto com a criança também. Isso ajuda na formação da autoestima, pois ela se sente olhada pelos adultos. Uma dica é perguntar para o próprio filho do que ele quer brincar e pedir para que ele decida as regras. Jogos competitivos, por exemplo, são ótimos para aprender a trabalhar em equipe, lidar com regras, desenvolver resiliência e aprender a lidar com frustrações.
A fonoaudióloga Camila Mercatelli, também da clínica Alcance, destaca como as brincadeiras são muito importantes para estimular a comunicação. Quando as crianças ainda são bem pequenas, observe se ela olha quando você chama e quais são as reações dela quando você conversa, por exemplo. “E também preste atenção na entonação. Use variações de tons e deixe clara a intenção do seu discurso”, diz.
Trabalhar bem a comunicação é algo que vai se refletir lá na frente, na vida adulta da criança. Camila, que trabalha com treinamentos em empresas, conta que sempre detecta dificuldades entre os profissionais em se comunicarem com clareza durante as atividades que aplica dentro das companhias.
A terapeuta ocupacional Fernanda Monteiro ressalta que a atividade de brincar pode acontecer a qualquer momento e não precisa ter hora marcada. “Pode ser na hora de comer, ou durante o banho”, diz.
Mas os pais precisam aprender a abandonar a afobação. “Há uma ansiedade generalizada, os pais pedem listas de brinquedos para estimular as crianças em casa e têm uma ansiedade pela alfabetização”, diz. “Muitos pais tiram os filhos da escola porque lá eles ‘só brincam’. As pessoas não têm consciência da importância do brincar, e sentem preocupação com o futuro”, completa Fernanda.
Quando trabalha junto a escolas, Maria Fernanda orienta as instituições a dedicarem tempo de brincadeira para os alunos. Isso ajuda até a resolver problemas que aconteciam em sala de aula. “Os pais deixam de mandar para terapia crianças que antes seriam encaminhadas para isso”, afirma.
Outro ponto importante para o brincar é ter um espaço amplo para a atividade. “A amplitude de visão é importante, assim como pisar na grama e na areia”, diz Fernanda. Ou seja, o recado está dado: é preciso tirar as crianças de casa. Para quem mora em apartamentos ou casas pequenas, é necessário procurar espaços públicos, como parques e praças, para oferecer todo o espaço necessário para as crianças se desenvolverem adequadamente.
Outra medida que deve ser considerada é limitar o tempo de tela dos filhos. E o dos adultos também. Estamos viciados em nossos celulares. Nosso limiar de atenção diminuiu e estamos desaprendendo a esperar – e também a brincar com as crianças sem correria. “Nosso sistema cerebral quer novidade”, diz Fernanda. “Na internet, no celular, tem novidade o tempo todo. É diferente de brincar com o filho, que é algo que a gente já conhece”, afirma. Quer dizer, mesmo que achemos tedioso repetir aquela brincadeira pela milésima vez, é preciso fazer um esforço para nos concentrarmos naquela atividade que está acontecendo no momento e na conexão que ela proporciona com nossos filhos. A família toda ganha com isso.